O Julgamento
da Ovelha
Um
cachorro de maus bofes acusou uma pobre ovelhinha de lhe haver
furtado um osso.
-Para
que furtaria eu esse osso - alegou ela - se sou herbívora e um osso
para mim vale tanto quanto um pedaço de pau?
-
Não quero saber de nada. Você furtou o osso e vou já levá-la aos
tribunais.
E
assim fez.
Queixou-se
ao gavião - de- penacho e pediu -lhe justiça. O gavião reuniu o
tribunal para julgar a causa, sorteando para isso doze urubus de papo
vazio.
Comparece
a ovelha. Fala. Defende-se de forma cabal,com razões muito irmãs
das do cordeirinho que o lobo em tempos comeu.
Mas
o júri,composto de carnívoros gulosos,não quis saber de nada e deu
a sentença:
-Ou
entrega o osso já e já, ou condenamos você a morte!
A
ré tremeu: não havia escapatória!... Osso não tinha e não
podia,portanto,restituir;mas tinha vida e ia entregá-la em pagamento
do que não furtara.
Assim
aconteceu. O cachorro sangrou-a,espostejou-a,reservou para si um
quarto e dividiu o restante com os juízes famintos,a título de
custas...
Fiar-se
na justiça dos poderosos,que tolice!...A justiça deles não vacila
em tomar do branco e solenemente decretar que é preto.
-
Esta fábula - disse Dona Benta - é muito dolorosa. É um verdadeiro
retrato da justiça humana; e se eu fosse explicar a lição que
existe aqui,levaria um ano. Não vale a pena. Vocês vão vier,vão
crescer,vão conhecer os homens - e irão percebendo a profunda e
triste verdade desta fabulazinha...
-
Que quer dizer "maus bofes",vovó?
-
Quer dizer de má índole,de maus sentimentos, e foi por ser assim
que o cachorro acusou a pobre ovelha.
-
E os urubus, juízes também,eram de maus bofes?
-
Não. Esses eram apenas maus juízes, dos que julgam de acordo com
certos interesses,em vez de julgar de acordo com a justiça.
-
Que interesse tinham eles no caso?
-
Estavam com fome e queriam comer a ovelha.
Emília
protestou. Achou que nesse ponto a fábula não tinha "propriedade
gastronômica".
-
Por quê?
-
Porque urubu não come carne fresca,só come carne podre...
Extraído
do livro Fábulas de Monteiro Lobato
"Quem
Senhor, habitará no teu tabernáculo? Quem há de morar no teu santo
monte? O que vive com integridade, e pratica a justiça e, de
coração, fala a verdade; o que não difama com sua língua,não faz
mal ao próximo nem lança injúria contra o seu vizinho;(Salmos
15.1-3)
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